O GANCHO DO DIA
Se todo remédio para obesidade ajudasse “só a perder uns quilinhos”, já seria bom. Mas e se alguns deles mudassem o risco de infarto, diabetes, apneia do sono e até esteato-hepatite ao mesmo tempo?
A grande notícia da ciência HOJE é um artigo da Nature Medicine (publicado em 2 de outubro de 2025) que fez uma mega revisão e meta-análise de todos os medicamentos aprovados para obesidade em adultos na Europa: orlistate, semaglutida, liraglutida, tirzepatida, naltrexona/bupropiona e fentermina/topiramato, com mais de 60 mil pacientes analisados.Nature
O recado principal é bem direto:
- Todos os remédios funcionam melhor que placebo para perda de peso.
- Mas só semaglutida e tirzepatida chegam consistentemente a >10% de perda de peso corporal total.Nature+1
- E o jogo já não é só “emagrecer”: esses fármacos estão impactando coração, fígado, sono, dor articular e risco de diabetes.Nature+1
Esse trabalho serviu, inclusive, de base para o algoritmo de tratamento farmacológico da EASO, a sociedade europeia de obesidade – ou seja, é literalmente o estudo que está redesenhando o “protocolo oficial”.Nature

O MERGULHO SIMPLIFICADO
1. Quem entrou nesse “campeonato” de remédios?
Os autores vasculharam Medline e Embase até 31 de janeiro de 2025 e juntaram:Nature+1
- 56 ensaios clínicos randomizados
- 60.307 adultos com obesidade
- 6 classes de medicamentos:
- Orlistate
- Liraglutida
- Semaglutida
- Tirzepatida
- Naltrexona + bupropiona
- Fentermina + topiramato
O desfecho principal foi % de perda de peso corporal total (TBWL%) no final do estudo. Secundários incluíram pressão arterial, lipídios, HbA1c, glicemia de jejum, eventos cardiovasculares, apneia, esteato-hepatite, dor em joelho, qualidade de vida e eventos adversos graves.Nature+1
Pensa assim: eles montaram um “ranking por rede” (network meta-analysis) para comparar remédios que nunca foram testados diretamente um contra o outro.
2. Quem emagrece mais na prática?
Resultado cru e reto: todos os medicamentos ganharam do placebo em perda de peso. Mas não foram iguais.Nature+1
- Tirzepatida e semaglutida foram as estrelas:
- Únicos com TBWL% > 10% de forma consistente.
- Fentermina/topiramato veio logo atrás, com boa eficácia, mas menos dados e menos amplitude de benefícios de desfechos clínicos “duros”.Nature+1
É como um campeonato de corrida:
- Todos cruzam a linha de chegada antes do placebo,
- Mas tirzepatida e semaglutida correm em outra categoria – já na casa de perda de peso típica de cirurgia metabólica leve em alguns cenários.
3. O plot twist: não é só balança
O que mais me chamou atenção é que o artigo mostra que esses remédios mexem na história natural das comorbidades:Nature+1
- Prediabetes e diabetes tipo 2
- Semaglutida e tirzepatida restauram normoglicemia, reduzem HbA1c e aumentam taxas de remissão de diabetes.Nature+1
- Coração
- Semaglutida reduz eventos cardiovasculares maiores (MACE) em obesos de alto risco.
- Semaglutida e tirzepatida reduzem hospitalização por insuficiência cardíaca.Nature+1
- Fígado (MASLD/MASH)
- Tirzepatida melhora esteato-hepatite metabólica, reduz enzimas hepáticas e rigidez hepática, com melhora de fibrose em alguns pacientes.
- Semaglutida também reduz gordura hepática, com dados emergentes para MASH.Nature+1
- Apneia do sono
- Tirzepatida reduz o índice de apneia-hipopneia e melhora desfechos de apneia obstrutiva do sono.Nature
- Dor no joelho (osteoartrose)
- Semaglutida reduz dor e melhora função física medida por WOMAC em pacientes com obesidade + OA de joelho.Nature
Em resumo: estamos saindo do paradigma “remédio para emagrecer” e indo para “remédio modificador de doença cardiometabólica”.
4. E a segurança nesse pacote?
De forma geral, o perfil de segurança foi considerado favorável para todos os medicamentos, sem aumento significativo de eventos adversos graves na maioria.Nature+1
Alguns pontos de atenção:
- Naltrexona + bupropiona
- Aumenta pressão arterial sistólica e teve maior taxa de eventos adversos graves versus placebo. Contraindicado em hipertensão não controlada.Nature
- Efeitos gastrointestinais (principalmente com agonistas de GLP-1/GLP-1+GIP) continuam sendo o calcanhar de Aquiles, mas manejáveis com escalonamento de dose e educação do paciente.Nature
Interessante: não houve sinal de aumento de risco de suicídio ou depressão maior nos estudos avaliados, algo que sempre gera preocupação em terapias de perda de peso.Nature

IMPLICAÇÕES E CHAMADA
O que eu levo deste artigo para a prática diária:
- Não dá mais para tratar obesidade só com “dieta e força de vontade”
- A própria Nature Medicine reforça a obesidade como doença crônica, biológica, que exige tratamento de longo prazo – e, muitas vezes, com medicamentos de alta potência.Nature
- Escolher remédio ≠ escolher “o que emagrece mais” apenas
- Paciente com apneia do sono grave? Tirzepatida pode ser especialmente interessante.
- Risco cardiovascular altíssimo? Semaglutida ganha peso na decisão.
- Fígado “gritando” com MASH? Tirzepatida (e, futuramente, semaglutida com novos dados) entra forte no raciocínio.Nature+1
- Individualização é a palavra do momento
- O estudo alimenta diretamente o algoritmo EASO para ajudar médicos a casar perfil do paciente + objetivo clínico + perfil de cada fármaco.Nature
Minha síntese: estamos vendo a consolidação de uma nova era em que tratar obesidade significa, na prática, tratar coração, fígado, sono, articulação e risco metabólico em conjunto. A balança virou só a ponta mais visível do iceberg.
Essa foi a nossa dose de ciência de hoje na coluna de Inovação Médica.
Quero saber de você: já está usando GLP-1 ou tirzepatida na sua prática? Tem selecionado o fármaco mais pela balança ou pelas comorbidades? Deixe sua opinião nos comentários e vamos continuar essa conversa na próxima atualização diária.




