O GANCHO DO DIA
Você confiaria em um protocolo dos anos 1950 para tratar uma das epilepsias mais devastadoras do primeiro ano de vida? Pois é exatamente isso que a neurologia infantil tem feito – e, surpreendentemente, ainda funciona muito bem.
A grande notícia da ciência HOJE vem de uma revisão sobre “Treatment modalities for infantile spasms: current considerations and evolving strategies in clinical practice”. O artigo revisita os espasmos infantis, agora rebatizados como síndrome de espasmos epilépticos infantis (IESS), e coloca sob os holofotes os velhos conhecidos ACTH, corticosteroides, vigabatrina, valproato e até cirurgia.PubMed+1
O recado central é direto:
- Nos EUA, ACTH segue como primeira linha por alta taxa de cessação dos espasmos e perfil de custo-efetividade.
- O Acthar Gel (forma de depósito de corticotropina, aprovada em 2010) ganha destaque por eficácia e menos efeitos colaterais que outras opções hormonais.PubMed
Eu olho para esse trabalho como um “estado da arte” prático: o que ainda funciona, o que está mudando e como podemos individualizar o tratamento de IESS hoje.

O MERGULHO SIMPLIFICADO
1. O que é IESS, afinal?
IESS é o novo guarda-chuva que engloba o antigo West e outras apresentações de espasmos epilépticos em bebês até 2 anos. Em geral, vemos:
- Espasmos em salvas (flexão ou extensão brusca do tronco, pescoço e membros).
- EEG com hipsarritmia – aquele traçado caótico de alta voltagem.
- Regressão ou atraso do desenvolvimento.
Sem tratamento adequado e precoce, o risco é grande de prejuízos cognitivos e comportamentais duradouros. Por isso, cada semana de atraso no diagnóstico pesa.
2. Hormônios em cena: ACTH, corticosteroides e Acthar Gel
O artigo reforça que, nos EUA, o ACTH é o tratamento de primeira linha para IESS pela alta taxa de cessação dos espasmos no longo prazo e bom custo-efetividade.PubMed
- ACTH / corticosteroides atuam reduzindo a liberação de CRH (hormônio liberador de corticotropina) no hipotálamo.
- A ideia é “baixar o volume” de um sistema de estresse hiperativado no cérebro imaturo – como reduzir o alarme de incêndio antes que ele queime os fios.PubMed+1
Destaque especial para o Acthar Gel:
- É uma formulação de depósito (repository corticotropin injection).
- A revisão aponta maior eficácia e menos efeitos adversos quando comparado a outros esquemas hormonais.PubMed
Claro, pagamos um preço: hipertensão, alterações metabólicas, imunossupressão – nada disso desapareceu. Mas com protocolos bem definidos e monitorização, o benefício ainda supera o risco em muitos casos.
3. A força do GABA: vigabatrina e valproato
Do outro lado do ringue estão as drogas que aumentam GABA, o principal “freio” do sistema nervoso.
- Vigabatrina e ácido valproico atuam elevando a concentração de GABA e diminuindo a excitabilidade neuronal.PubMed
- Vigabatrina é especialmente importante em espasmos associados à esclerose tuberosa, onde costuma ser recomendada como primeira escolha.PubMed+1
A grande sombra da vigabatrina continua sendo a toxicidade visual. Ainda assim, o risco é menor em tratamentos curtos na infância, e o benefício em IESS (principalmente em TSC) continua relevante.
Se eu fosse resumir a lógica:
Hormônio desliga o “modo tempestade” global do cérebro;
Vigabatrina ajusta finamente o “freio químico” (GABA), o que é particularmente útil em alguns contextos etiológicos.
4. Quando remédio não basta: cirurgia e outras estratégias
A revisão lembra que não existe bala de prata – e que não há um consenso universal sobre um único tratamento-padrão para todos os casos de IESS.PubMed
Entre as estratégias em evolução:
- Cirurgia de epilepsia
- Considerada quando há lesão focal bem definida (displasia cortical, tumores, malformações) e refratariedade ao tratamento medicamentoso.PubMed+1
- Terapias combinadas (hormonal + vigabatrina)
- Buscam somar mecanismos diferentes (eixo HPA + GABA), com resultados promissores em alguns estudos, embora ainda sem consenso definitivo sobre o impacto no desenvolvimento.MDPI+1
- Dieta cetogênica
- Já consolidada como opção em epilepsias refratárias, incluindo IESS, especialmente quando hormônios e vigabatrina falham.MDPI
Penso IESS hoje como um “algoritmo aberto”: começamos com hormônio (ou vigabatrina em cenários específicos), mas precisamos estar prontos para escalar rapidamente para combinações, dieta ou cirurgia.
IMPLICAÇÕES E CHAMADA
Na prática do dia a dia, esse artigo reforça três mensagens que eu não tiro da cabeça:
- Velocidade é tudo – diagnóstico rápido, EEG precoce e início de terapia em semanas, não meses, podem mudar destino cognitivo desses bebês.
- Escolha da primeira linha deve considerar etiologia e contexto
- Monitorização é tão importante quanto a prescrição
- Hormônios: PA, glicemia, infecção.
- Vigabatrina: acompanhamento oftalmológico, tempo total de uso.
Minha leitura final: não estamos “mudando tudo”, mas estamos refinando para quem, quando e como usar cada ferramenta – e isso, em IESS, pode ser a diferença entre uma vida com máxima funcionalidade possível ou um quadro de epilepsia refratária com grande comprometimento neurocognitivo.
Essa foi a nossa dose de ciência de hoje na coluna de Inovação Médica.
Quero ouvir você: como tem sido sua experiência com ACTH, Acthar Gel, vigabatrina e dieta cetogênica em IESS? Alguma mudança recente no seu protocolo?
Deixe nos comentários e vamos construir essa prática baseada em evidência juntos.




